sábado, 3 de janeiro de 2009

Crítica Literária

“Hoje, se queremos perceber para onde estamos a ir, não é necessário olhar para a política, mas sim para a arte”, uma das visões de um licenciado em História que preferiu ver a História a acontecer, em vez de limitar-se a estudá-la. Apenas uma das percepções de Ryszard Kapuściński, incluídas em Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício.

Adriano Cerqueira

O livro é uma compilação de três momentos em que Kapuściński, jornalista polaco, se encontrou do outro lado do microfone e do bloco de notas. A introdução, da autoria de Maria Nadotti, moderadora de dois dos encontros transcritos nesta obra, revela alguns pontos da personalidade e da vida do jornalista. A sua técnica de assimilação cultural e de dedicação a um lugar para poder relatar sobre o prisma real dos seus habitantes – como Kapuściński fez em África, ao passar cerca de 20 anos da sua vida nesse continente, “perdendo tempo” a conhecer as pessoas, o ambiente e a sua cultura – e a sua visão sobre o papel dos jovens no mundo actual e a maior paciência e importância que os mais velhos lhes devem dar, são algumas das ideias que se destacam na nota introdutória.

O primeiro capítulo, intitulado “Ismael continua a navegar”, trata-se da transcrição de um encontro no VI Congresso “Redactor Social”, em Itália, moderado por Maria Nadotti. Entre relatos da sua juventude, o experiente jornalista, retrata o jornalismo como profissão de “envelhecimento rápido”. Ao falar da sua experiência aos jovens presentes no congresso, Ryszard Kapuściński lamenta a presença de profissionais de outras áreas nas chefias das redacções. Para o autor isto impossibilita a passagem de conhecimento para os jovens que se iniciam na actividade. As novas tecnologias ao serviço do jornalismo e o crescimento dos grandes grupos media são outros dos temas em análise. É também neste capítulo que surge a questão que dá nome à obra. Este primeiro momento é marcado por um discurso fluído que cativa a atenção do leitor, criando expectativas goradas no capítulo seguinte.

Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício prossegue com uma entrevista de Andrea Semplici a Ryszard Kapuściński. Nela o jornalista italiano opta por aprofundar a vivência do autor no continente africano. A entrevista possui algumas perspectivas interessantes, como as dificuldades de transmissão da informação para a Europa, as técnicas de assimilação cultural de Kapuściński e os relatos da sua vivência em tempo real de acontecimentos importantes da História de África, como a Conferência de Adis Abeba, onde 32 países assinaram a carta da Organização da Unidade Africana. Contudo, embora a temática seja importante para a contextualização da vida e personalidade do jornalista polaco, quebra o ritmo trazido do primeiro debate, o que pode desencorajar o leitor a virar a página.

Já o terceiro e último momento da obra, faz reviver o ritmo e fluidez iniciais. Em debate com John Berger, romancista e crítico de arte, as diferenças e semelhanças entre os distintos tipos de escrita de ambos os autores, revelam uma apologética discussão que prende o leitor até à última palavra. “O conto num dente de alho”, é o nome dado ao último acto do livro, em que John Berger, o “camponês”, e Ryszard Kapuściński, o “marinheiro”, salientam a importância da concentração e da atenção no relato literário e jornalístico, descurando a crítica ao estilo mais sedentário de Berger em contraste com o espírito aventureiro de Kapuściński.

Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício é, como referido no subtítulo, uma compilação de conversas sobre o bom jornalismo. Apesar dos interessantes relatos e das questões pertinentes que ao longo das páginas mostram a natureza do jornalismo puro, de investigação e de dedicação a um estilo de vida, a obra peca na estrutura e ordenação dos capítulos. Como afirma Kapuściński na descrição da importância do silêncio no discurso escrito, “é tudo uma questão de interpretação do texto”.

Sem comentários:

Enviar um comentário