sábado, 3 de janeiro de 2009

Crónica

Descansa em paz romancismo!

Adriano Cerqueira


Sim, o romance morreu. Já longe vão os tempos dos pequenos bilhetes nos cacifos, da obrigatória rosa vermelha e caixa de bombons, oferecidas à pretendente no primeiro encontro. Numa sociedade onde mal temos tempo para consumir toda a informação que nos é enviada a toda a hora, são as delicadas subtilezas do complexo acto de corte, e o próprio romance, que pagam a factura.

“Cartas de amor, quem as não tem?”, cantava Tony de Matos. Hoje posso-lhe responder numa simples palavra. Ninguém. Não porque tenham sido vítimas da evolução tecnológica, obrigadas a adaptar-se e a evoluir para e-mails de amor, ou SMSs de amor, mas porque ninguém tem tempo, ou não se dá ao tempo de se dedicar a um longo processo de romance, saboreando cada pequeno passo, cada momento, cada gesto, cada olhar, cada sentimento...

Todos os aspectos da vida são, cada vez mais, meros espelhos do consumismo ao qual nos subjugamos. Tudo tem que ser vivido no aqui e no agora, é tudo para consumo rápido, o eterno usar e deitar fora, que para aqueles de consciência ecológica passou a ser usar, reutilizar e reciclar. Ter-se-á perdido o hábito de nos sentarmos à secretária, sentir o coração acelerar enquanto pensamos naquela que é capaz de iluminar qualquer dia por mais chuvoso que seja, pegar numa caneta e escrever-lhe sobre essa mesma sensação. Não é necessário ser-se dotado na escrita para escrever “amo-te”. Se as musas da inspiração não acorrem aos vossos apelos, há vários autores a quem recorrer, desde Shakespeare a Jon Bon Jovi. O amor pode ser complexo, mas quando alguém o sente, nada é mais fácil do que escrever sobre ele. Ser-se adolescente, viver rápido e morrer cedo, aclamar aos céus pelo eterno carpe diem, pois “temos que aproveitar o dia já que o amanhã pode não vir”. E quando o sol continua a nascer? Por que nos esquecemos de preparar para o longo prazo? Até o romance - se lhe podemos dar esse nome - foi reduzido à categoria das fast-foods. Não há tempo para poemas, para serenatas, para jantares à luz das velas, nem para simples passeios no parque. Não há tempo para conversar, não há tempo para exprimir, não há tempo para romantizar.

Terá o mundo se esquecido do amor? O romancismo pode estar morto, as máquinas que o sustinham há muito desligadas, mas o amor, esse é o eterno cliché que anda lado a lado com a humanidade e que a seu lado permanece. Talvez com o tempo, e se ele houver, o romancismo renasça das cinzas como a majestosa Fénix que já foi. Mas hoje essas cinzas dispersam-se, lançadas sobre a brisa outonal de um lago vazio, cujas margens viam passear casais de namorados, que há muito lá não regressam.

É este o preço que pagamos por um mundo que, apesar de nos aproximar, nos isola dentro de nós próprios. Criamos os nossos mundos, as nossas segundas vidas onde procuramos aquilo que não temos na vida real. Mas tudo isso está à nossa espera, para lá das portas que encerramos à nossa volta. Quando voltarmos a dar o passo para lá do nosso ego, quando voltarmos a arriscar, a desafiar os próprios conceitos que nos orientam no dia-a-dia, mas que no amor perdem todo o sentido, aí talvez o romancismo regresse.

O vídeo não matou a estrela do romancismo, nem se pode colocar a culpa na Internet. A culpa é de ninguém, ninguém que não recebe, que não lê, que não escreve essas cartas de amor que já ninguém as têm.

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