sábado, 17 de janeiro de 2009

Taça da Liga: Autogolo dá vitória ao FC Porto


Em jogo marcado pelo equilíbrio entre ambas as equipas valeu o autogolo de Luiz Nunes para o FC Porto bater a Académica. Os dragões precisavam de vencer para manter acesa a esperança de chegar às meias-finais da Taça da Liga.

Adriano Cerqueira

O FC Porto apresentou oito alterações em relação ao jogo a meio da semana com o Nacional. Entre as novidades destaca-se a estreia de Cissokho com a camisola dos azuis e brancos. Numa primeira parte marcada pelo equilíbrio entre ambas as equipas, foi a Académica que abriu as hostilidades quando aos 3 minutos duas perdas de bola do FC Porto permitiram aos “estudantes” levar perigo à baliza defendida pelo jovem Hugo Ventura. A primeira jogada de perigo dos dragões deu-se aos 13 minutos com Bruno Alves a cabecear ao lado da baliza de Rui Nereu, após canto marcado por Lucho. Na jogada seguinte a Académica voltou a criar perigo num ataque rápido que culminou com o remate de Lito ao lado. Aos 17 minutos Lito voltou a tentar a sua sorte, desta feita de fora de área, obrigando Ventura à primeira defesa apertada da noite. O resto da primeira parte pouco teve para acrescentar ao encontro. A equipa da casa mostrou várias dificuldades em encontrar espaços numa Académica que entrou em campo destemida e pronta a jogar de igual para igual com o FC Porto. Os dragões beneficiaram ainda de um último livre em posição frontal à baliza de Rui Nereu, já para lá dos 45 minutos, após mão na bola de Miguel Pedro. Bruno Alves rematou forte com a bola a passar a escassos centímetros da barra. O 0-0 ao intervalo era o espelho do equilíbrio entre as duas equipas.

Ao intervalo Jesualdo Ferreira fez sair Tarik para a entrada de Farias na tentativa de renovar a ofensiva do FC Porto. Os azuis e brancos começaram a segunda parte mais fortes no ataque, forçando a Académica a recorrer aos lances de contra-ataque para se aproximar da baliza de Ventura. Aos 53 minutos o FC Porto cria perigo na área da Académica através de um canto, contudo a atrapalhação dos avançados acaba por matar a jogada. Era de antever a repetição da história da primeira parte, até que aos 62 minutos, Luiz Nunes faz autogolo abrindo o marcador a favor da equipa da casa. O defesa da Académica saltou com Farias para cortar o cruzamento de Lucho, mas o adiantamento de Rui Nereu acabou por ser fatal para os “estudantes” que viram assim o FC Porto ganhar vantagem. O golo parece ter despertado os campeões nacionais, que daí para a frente começaram a pressionar a Académica, encostando os comandados de Domingos Paciência à sua área. O FC Porto teve perto do 2-0 aos 67 minutos, primeiro por Hulk que forçou Rui Nereu a defender para canto, e depois por Bruno Alves, que na sequência do canto rematou ao poste. Os dragões continuaram a criar sucessivos lances de perigo na área da Académica, Rui Nereu em duas ocasiões (aos 76 e aos 79 minutos) falha a intercepção da bola, valendo ao guarda-redes a atenção dos seus defesas. Os 82 minutos trouxeram outro dos momentos do jogo, quando Hulk ultrapassa toda a defesa da Académica e remata com força para a defesa de Rui Nereu que assim se redimiu das perdidas anteriores. Farias também tenta a sua sorte aos 84 minutos, mas o jovem guarda-redes voltou a negar o golo ao avançado. A Académica volta a criar perigo aos 88 minutos através do recém entrado Madej, mas a defesa de Ventura acaba com as esperanças dos “estudantes”. O FC Porto ainda teve uma boa oportunidade de alargar o marcador, através de Sapunaru que cabeceou ao lado após livre de Guarín, aos 90 minutos. O resultado não sofreu mais alterações. O FC Porto fecha assim a fase de grupos da Taça da Liga com 6 pontos, resta agora aos dragões esperar que o Nacional não vença em Setúbal para carimbarem a passagem às meias-finais.

Ficha de jogo:

Estádio do Dragão

Árbitro: Carlos Xistra

Equipas:

FC PORTO – Ventura; Sapunaru, Stepanov, Bruno Alves e Cissokho; Lucho, Fernando e Guarín; Tarik (Farías, 46m), Hulk (Diogo Viana, 84) e Rodriguez (Tomás Costa (75m).

ACADÉMICA – Rui Nereu; Pedrinho, Orlando, Luiz Nunes e Pedro Costa; Miguel Pedro (Diogo Gomes, 67m), Nuno Piloto (Licá, 76m), Pavlovic e Cris; Sougou e Lito (Madej, 67m).

Ao intervalo: 0-0

Acção disciplinar: nada a registar

Marcadores: 1-0, autogolo de Luiz Nunes (63m);

Fim da partida: 1-0

sábado, 3 de janeiro de 2009

Yazaki Saltano: A incerteza de um futuro

Foto: Adriano Cerqueira
Outrora imagem de desenvolvimento do concelho de Ovar, a Yazaki Saltano vive tempos atribulados. Para os trabalhadores a esperança da manutenção do emprego entra em conflito com o possível encerramento da fábrica.

Versão Impressa Janeiro 2009

Internacional: Atentado Terrorista no Paquistão faz 53 mortos


Embaixador da República Checa entre as vítimas mortais
Adriano Cerqueira

O Hotel Marriott em Islamabad foi alvo de um atentado terrorista. A explosão de um carro à porta do hotel da capital paquistanesa causou 53 mortos e 266 feridos. Entre as vítimas mortais encontra-se Ivo Zadrek, Embaixador da República Checa no Paquistão. O grupo terrorista “Combatentes do Islão” reivindicou a autoria do atentado.

Ao início da noite um carro carregado com 600 Kg de explosivos embateu contra o portão do hotel Marriott causando a explosão que fez desabar o tecto de uma sala de banquetes. Na altura, estima-se que na sala, entre 200 a 300 pessoas celebravam o fim do mês do Ramadão. Entre os feridos encontram-se pelo menos 7 alemães e 2 norte-americanos. O condutor da viatura terá morrido no embate.

A explosão foi a mais potente registada em Islamabad desde 2001. Para além da enorme cratera criada à porta do Marriott, regista-se a destruição de várias janelas e portas. Dezenas de carros que se encontravam no parque de estacionamento foram danificados e alguns focos de incêndio deflagraram do hotel.

Como consequência do atentado, os EUA suspenderam o serviço consular no Paquistão. O Presidente norte-americano, George W. Bush, condenou energicamente o ataque, alertando para a contínua ameaça terrorista.

A União Europeia reagiu ao ataque terrorista através de Javier Solana, alto-comissário da Política Externa e de Segurança Comum: “Condeno nos termos mais enérgicos o vil ataque terrorista em Islamabad”, referiu Solano.

Asif Ali Zardari, presidente paquistanês, tinha planeado um jantar no Marriot com o Primeiro-Ministro, à hora do ataque terrorista, mas cancelou os planos.

Horas antes, Asif Ali Zardari, viúvo da ex-Primeira Ministra paquistanesa Benazir Buttho, tinha-se comprometido a continuar a luta contra os fundamentalistas islâmicos. Já em 2001, o então presidente Pervez Musharraf anunciou o seu apoio à guerra contra o terrorismo, desencadeada pela administração Bush, após os atentados de 11 de Setembro.

Este é o 3.º atentado nos últimos 7 anos a assolar o Hotel Marriot da capital paquistanesa. O Marriot tem 290 quartos e é muito frequentado por visitantes e residentes estrangeiros de Islamabad.

Crónica

Descansa em paz romancismo!

Adriano Cerqueira


Sim, o romance morreu. Já longe vão os tempos dos pequenos bilhetes nos cacifos, da obrigatória rosa vermelha e caixa de bombons, oferecidas à pretendente no primeiro encontro. Numa sociedade onde mal temos tempo para consumir toda a informação que nos é enviada a toda a hora, são as delicadas subtilezas do complexo acto de corte, e o próprio romance, que pagam a factura.

“Cartas de amor, quem as não tem?”, cantava Tony de Matos. Hoje posso-lhe responder numa simples palavra. Ninguém. Não porque tenham sido vítimas da evolução tecnológica, obrigadas a adaptar-se e a evoluir para e-mails de amor, ou SMSs de amor, mas porque ninguém tem tempo, ou não se dá ao tempo de se dedicar a um longo processo de romance, saboreando cada pequeno passo, cada momento, cada gesto, cada olhar, cada sentimento...

Todos os aspectos da vida são, cada vez mais, meros espelhos do consumismo ao qual nos subjugamos. Tudo tem que ser vivido no aqui e no agora, é tudo para consumo rápido, o eterno usar e deitar fora, que para aqueles de consciência ecológica passou a ser usar, reutilizar e reciclar. Ter-se-á perdido o hábito de nos sentarmos à secretária, sentir o coração acelerar enquanto pensamos naquela que é capaz de iluminar qualquer dia por mais chuvoso que seja, pegar numa caneta e escrever-lhe sobre essa mesma sensação. Não é necessário ser-se dotado na escrita para escrever “amo-te”. Se as musas da inspiração não acorrem aos vossos apelos, há vários autores a quem recorrer, desde Shakespeare a Jon Bon Jovi. O amor pode ser complexo, mas quando alguém o sente, nada é mais fácil do que escrever sobre ele. Ser-se adolescente, viver rápido e morrer cedo, aclamar aos céus pelo eterno carpe diem, pois “temos que aproveitar o dia já que o amanhã pode não vir”. E quando o sol continua a nascer? Por que nos esquecemos de preparar para o longo prazo? Até o romance - se lhe podemos dar esse nome - foi reduzido à categoria das fast-foods. Não há tempo para poemas, para serenatas, para jantares à luz das velas, nem para simples passeios no parque. Não há tempo para conversar, não há tempo para exprimir, não há tempo para romantizar.

Terá o mundo se esquecido do amor? O romancismo pode estar morto, as máquinas que o sustinham há muito desligadas, mas o amor, esse é o eterno cliché que anda lado a lado com a humanidade e que a seu lado permanece. Talvez com o tempo, e se ele houver, o romancismo renasça das cinzas como a majestosa Fénix que já foi. Mas hoje essas cinzas dispersam-se, lançadas sobre a brisa outonal de um lago vazio, cujas margens viam passear casais de namorados, que há muito lá não regressam.

É este o preço que pagamos por um mundo que, apesar de nos aproximar, nos isola dentro de nós próprios. Criamos os nossos mundos, as nossas segundas vidas onde procuramos aquilo que não temos na vida real. Mas tudo isso está à nossa espera, para lá das portas que encerramos à nossa volta. Quando voltarmos a dar o passo para lá do nosso ego, quando voltarmos a arriscar, a desafiar os próprios conceitos que nos orientam no dia-a-dia, mas que no amor perdem todo o sentido, aí talvez o romancismo regresse.

O vídeo não matou a estrela do romancismo, nem se pode colocar a culpa na Internet. A culpa é de ninguém, ninguém que não recebe, que não lê, que não escreve essas cartas de amor que já ninguém as têm.

Crítica Literária

“Hoje, se queremos perceber para onde estamos a ir, não é necessário olhar para a política, mas sim para a arte”, uma das visões de um licenciado em História que preferiu ver a História a acontecer, em vez de limitar-se a estudá-la. Apenas uma das percepções de Ryszard Kapuściński, incluídas em Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício.

Adriano Cerqueira

O livro é uma compilação de três momentos em que Kapuściński, jornalista polaco, se encontrou do outro lado do microfone e do bloco de notas. A introdução, da autoria de Maria Nadotti, moderadora de dois dos encontros transcritos nesta obra, revela alguns pontos da personalidade e da vida do jornalista. A sua técnica de assimilação cultural e de dedicação a um lugar para poder relatar sobre o prisma real dos seus habitantes – como Kapuściński fez em África, ao passar cerca de 20 anos da sua vida nesse continente, “perdendo tempo” a conhecer as pessoas, o ambiente e a sua cultura – e a sua visão sobre o papel dos jovens no mundo actual e a maior paciência e importância que os mais velhos lhes devem dar, são algumas das ideias que se destacam na nota introdutória.

O primeiro capítulo, intitulado “Ismael continua a navegar”, trata-se da transcrição de um encontro no VI Congresso “Redactor Social”, em Itália, moderado por Maria Nadotti. Entre relatos da sua juventude, o experiente jornalista, retrata o jornalismo como profissão de “envelhecimento rápido”. Ao falar da sua experiência aos jovens presentes no congresso, Ryszard Kapuściński lamenta a presença de profissionais de outras áreas nas chefias das redacções. Para o autor isto impossibilita a passagem de conhecimento para os jovens que se iniciam na actividade. As novas tecnologias ao serviço do jornalismo e o crescimento dos grandes grupos media são outros dos temas em análise. É também neste capítulo que surge a questão que dá nome à obra. Este primeiro momento é marcado por um discurso fluído que cativa a atenção do leitor, criando expectativas goradas no capítulo seguinte.

Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício prossegue com uma entrevista de Andrea Semplici a Ryszard Kapuściński. Nela o jornalista italiano opta por aprofundar a vivência do autor no continente africano. A entrevista possui algumas perspectivas interessantes, como as dificuldades de transmissão da informação para a Europa, as técnicas de assimilação cultural de Kapuściński e os relatos da sua vivência em tempo real de acontecimentos importantes da História de África, como a Conferência de Adis Abeba, onde 32 países assinaram a carta da Organização da Unidade Africana. Contudo, embora a temática seja importante para a contextualização da vida e personalidade do jornalista polaco, quebra o ritmo trazido do primeiro debate, o que pode desencorajar o leitor a virar a página.

Já o terceiro e último momento da obra, faz reviver o ritmo e fluidez iniciais. Em debate com John Berger, romancista e crítico de arte, as diferenças e semelhanças entre os distintos tipos de escrita de ambos os autores, revelam uma apologética discussão que prende o leitor até à última palavra. “O conto num dente de alho”, é o nome dado ao último acto do livro, em que John Berger, o “camponês”, e Ryszard Kapuściński, o “marinheiro”, salientam a importância da concentração e da atenção no relato literário e jornalístico, descurando a crítica ao estilo mais sedentário de Berger em contraste com o espírito aventureiro de Kapuściński.

Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício é, como referido no subtítulo, uma compilação de conversas sobre o bom jornalismo. Apesar dos interessantes relatos e das questões pertinentes que ao longo das páginas mostram a natureza do jornalismo puro, de investigação e de dedicação a um estilo de vida, a obra peca na estrutura e ordenação dos capítulos. Como afirma Kapuściński na descrição da importância do silêncio no discurso escrito, “é tudo uma questão de interpretação do texto”.

Comentário: De igual para igual

De igual para igual

Adriano Cerqueira


A 12.ª jornada da Liga Sagres viu os três grandes empatar a zero na despedida de 2008. Académica, Marítimo e Nacional foram os responsáveis por impedir os avançados de Sporting, FC Porto e Benfica, respectivamente, de fazerem o gosto ao pé.

A divisão de pontos, mais do que deixar tudo na mesma no topo da tabela, espelha a época dos três candidatos ao título e as poucas diferenças de desempenho entre eles. Separados apenas por três pontos, Sporting, FC Porto e Benfica são desta vez acompanhados pelo surpreendente Leixões que, após várias jornadas isolado na liderança, acabou por ceder o lugar ao Benfica. Contudo, a ténue vantagem dos encarnados apenas fortalece a ideia de que até ao momento nenhum dos grandes se pode afirmar como favorito à conquista do título.

Apesar do Benfica ser o único entre os três que ainda não sofreu derrotas na liga, os sucessivos empates não permitiram que as águias voassem para longe dos seus rivais. As indecisões de Paulo Bento em relação a Miguel Veloso e Vukcevic, aliadas à onda de lesões e castigos que assolaram o Sporting neste início de época, impediram os verde e brancos de apresentarem alguma regularidade nas exibições. Já o FC Porto acusou algum nervosismo inicial, tendo conseguido estabilizar o seu desempenho nas últimos jornadas.

Se cá dentro o impasse entre os grandes clubes ainda deixa os adeptos a sonhar com títulos, a história muda de figura ao falar das competições europeias. 2008 prometia muito com a estreia do Vitória de Guimarães na Liga dos Campeões, mas o sonho dos vimaranenses morreu em Basileia, relegando a equipa minhota para a Taça UEFA. Na competição que para o ano tem já anunciada a mudança de formato e de nome, passará a chamar-se Liga Europa, o Vitória de Guimarães fez companhia a Marítimo e Vitória de Setúbal, como o trio de equipas eliminadas na primeira ronda. O Benfica também não se aguentou no barco por muito mais tempo. Após a desastrosa derrota com o Galatasaray na Luz por duas bolas a zero e a goleada sofrida diante do Olympiacos na Grécia, os encarnados depararam-se com a hercúlea tarefa de golear por oito bolas a zero o Metalist da Ucrânia, para se manterem em prova. Num jogo que bem podia ter terminado a zero, o Benfica foi derrotado pelos ucranianos com um golo de contra-ataque mesmo ao cair do pano.

Europa não é apenas sinónimo de triste fado para o futebol português. Pela primeira vez, Portugal vai ter duas equipas nos oitavos de final da Liga dos Campeões. FC Porto e Sporting conseguiram qualificar-se categoricamente para esta fase terminando em primeiro e segundo dos respectivos grupos. Também o Sporting de Braga conseguiu passar a fase de grupos da Taça UEFA, sendo agora o único representante luso nesta competição.

Diferentes foram as sortes que sorriram aos três últimos “europeus” no sorteio das rondas a eliminar da Liga dos Campeões e Taça UEFA. O FC Porto é o que parece ter a tarefa mais facilitada. Os campeões nacionais vão medir forças com o Atlético de Madrid, na eliminatória que marcará o regresso de Maniche ao Dragão. Já o Sporting e o Braga têm uma tarefa “germânica” pela frente. Os leões voltam a encontrar o Bayern de Munich responsável pela eliminação do Sporting da Liga dos Campeões há duas épocas, enquanto os minhotos medem forças com os belgas do Standard de Liège. O mês de Fevereiro ditará assim os destinos dos representantes da armada portuguesa nas competições da UEFA.

De regresso a solo lusitano, os três grandes não vão esperar pelas uvas passas e pelo champanhe para preparar o ataque ao mercado de Inverno. Jesualdo Ferreira já sonha com reforços, enquanto Quique Flores preocupa-se em manter os jogadores do actual plantel. Para Paulo Bento restam as habituais fintas financeiras da endividada SAD leonina. Conseguirá algum dos três grandes destacar-se na luta pelo título, ou teremos um campeonato renhido até ao último segundo, com a possibilidade de um outsider como o Leixões ou o Sporting de Braga entrarem em jogo para marcar a diferença? Por enquanto saboreemos as rabanadas e os pães-de-ló, que em Janeiro há mais futebol.

Entrevista: Bernardino Barros: “A vida de um homem é escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho”


Jornalista, comentador, mas acima de tudo um apaixonado pelo desporto, Bernardino Barros confessa ser “um homem de paixões.”

Adriano Cerqueira

Dos primórdios da sua carreira no Norte Desportivo, a editor da secção de desporto do Comércio do Porto, Bernardino Barros passa agora os seus dias entre o Porto e Vila Real, onde trabalha na organização de eventos.

Apesar de nunca ter o jornalismo como a sua principal fonte de rendimento, Bernardino Barros está desde 1975 ligado ao meio. Iniciou a carreira no Norte Desportivo mas cedo ingressou no Comércio do Porto. TSF, Rádio Renascença, RTP, SIC, SportTV, NTV e Porto Canal, foram os restantes media por onde passou.

Natural de Vila Real mudou-se para o Porto aos 3 anos, contudo nunca largou as raízes e considera-se mais transmontano que tripeiro. Tendo como cenário um pequeno café da zona de Cedofeita, onde reside, Bernardino Barros revela um pouco da sua história e dos seus sonhos para o futuro.

Mercúrio do Porto: Está há muitos anos ligado ao jornalismo. O que o fez começar nesta profissão?
Bernardino Barros: O impulso, não sei... Sempre gostei de escrever, sempre gostei de estar ligado ao desporto de algum modo. Quando tinha 20 anos surgiu a oportunidade de colaborar no Norte Desportivo, embora a maneira de trabalhar lá não me agradasse muito. Depois de lá estar a fazer um ou outro jogo da 1.ª divisão, fiz a proposta de fazer só Juniores e Juvenis, que era uma coisa que eles não tinham. Para mim era melhor estar fora a ver o jogo, a analisar, a escrever sobre ele do que estar fechado dentro de uma sala a tentar escrever sobre um jogo que não víamos, mas que ouvíamos nas rádios. O Norte Desportivo, ao domingo saía com a constituição das equipas e com um resumo curto de cada um dos jogos que nós ouvíamos pela rádio. Foi aí que eu comecei, depois a partir daí surgiram novas oportunidades, mas nunca fiz da comunicação social o meu principal meio de sobrevivência.

MP: Que outros empregos teve?

BB: Fui durante 14 anos chefe dos serviços administrativos de um colégio particular no Porto, depois passei outros 14 anos numa multinacional alemã onde fui responsável pelo sector de carga aérea. A partir daí surgiu a hipótese de corresponder ao apelo de um amigo de longa data, o Rogério Gomes, que me convidou a ir para o Comércio do Porto como editor de desporto, e estive lá nos últimos 3 anos de vida do jornal. Depois de fechar o Comércio do Porto, estive no Porto Canal, e apesar de fazer várias coisas paralelamente, agora dedico-me à comunicação social.

MP: Começou a sua carreira no jornalismo logo após o 25 de Abril. Como foi começar num ambiente de liberdade que antes não existia?
BB: Foi giro. Acho que o jornalismo sempre esteve ligado a alguma contestação. O jornalista antigo era visto como um boémio, de cabelos compridos que andava sempre de boina, era o jornalista que escrevia e que estava até altas horas da madrugada, não só a escrever e a fechar o jornal, mas depois na convivência com os amigos nas celebres tertúlias jornalísticas, e que durante o dia quase que só dormia. A seguir ao 25 de Abril, com o boom que se deu nos jornais, havia muita gente nas redacções e foi aí quando eu comecei. Foi a minha fase de aprendizagem, onde havia liberdade para se escrever, e onde creio que se ganhou na riqueza da linguagem. Contudo, acho que se perdeu um pouco aquela maneira rebuscada de dizer as coisas não dizendo. Também não posso fazer comparações com o que era antigamente, apenas o sei por aquilo que os meus colegas mais antigos diziam. Eu comecei com 20 anos, nessa altura eles é que me diziam como era o antigamente, o que eles sofriam, as provas que tinham de ser revistas, os textos que eram esmiuçados até ao pormenor, enfim, são coisas que apenas ouvi contar. A vivência depois do 25 de Abril essa tenho-a, de redacções enormes, de redacções onde havia liberdade para escrever e então sim, ser criativo.

MP: Porque optou pelo jornalismo desportivo em particular?
BB: Porque sempre gostei de desporto. Na altura, tal como agora, o jornalismo desportivo é olhado quase como um parente pobre. No meu tempo dizia-se que quem vinha para jornalista desportivo era quem não sabia fazer mais nada, o que não é verdade. Quando comecei, para mim a referência era A Bola com tudo aquilo que lá havia escrito de autênticos senhores da comunicação social, o Vítor Santos, o Artur Santos, o Carlos Pinhão, todos eles com a sua maneira de escrever. O que escreviam não eram descrições, eram autênticos textos sobre jogos de futebol pelos quais me apaixonei, e como gostava de desporto consumia isso tudo. Surgiu então a possibilidade de colaborar no Norte Desportivo e foi uma oportunidade que aproveitei.
“Rádio, rádio, rádio... Rádio é diferente (...) podes estar nu a fazer rádio”
MP: Considera esses jornalistas que referiu os seus mentores?
BB: Não lhes chamo mentores, tenho-os como referências. Quando somos novos e começamos a ler e a interessarmo-nos pelo fenómeno vamos tendo algumas referências que são para mim, sem duvida nenhuma, os da antiga A Bola. O Aurélio Márcio, com quem trabalhei depois mais tarde na TSF onde ele foi também comentador de futebol e os outros que já referi, o Artur Santos que ainda hoje tem uma coluna sobre arbitragem, o Vítor Santos, o Carlos Pinhão, foram referências que me habituei a admirar a ler. Posso dizer que foi por causa deles que eu quis participar nessa tarefa que era o escrever sobre futebol, ou sobre desporto.

MP: Como foi trabalhar com esses “senhores”?
BB: Eram uns senhores. Eu andei anos a fazer o Norte Desportivo, depois fui para o Comércio do Porto onde era responsável pela página do basquetebol. A minha convivência com eles foi mais tarde e só depois de estar dois ou três anos no Comércio do Porto é que comecei a fazer o futebol e a manter contacto com eles. Quando fui para a TSF, aí já a nível de comentário, convivi mais com o Carlos Pinhão e com o Artur Santos. Era diferente olhar prós “senhores”, a única descrição que eu tenho é a de olhar prós monstros a que nós nos habituamos, vê-los ali à nossa frente e saber que eles é que nos davam aquelas prosas maravilhosas que eu muitas vezes lia e relia, principalmente quando era o caso do Vítor Santos e do Carlos Pinhão que escreviam muitíssimo bem.

MP: Como fez a sua transição do jornalismo escrito para a rádio?

BB: As coisas surgem sempre por acaso, eu creio que não há nada premeditado. Sempre fui por etapas, sempre sonhei e sempre quis tocar quase todos os cordelinhos do jornalismo desportivo, quer a nível de rádio, quer a nível escrito, quer a nível de televisão, e fui projectando a minha vida nessa direcção. Houve um jogo particular, no estádio do Bessa, da selecção nacional de sub-21 que eu fui ver, onde encontrei um colega meu, o João Veríssimo, que veio atrapalhado atrás de mim a dizer “é pá ainda bem que chegaste eu cá tenho que arranjar alguém para fazer o comentário para a TSF que eu não tenho ninguém!” Era o David Borges que estava a fazê-lo – o David Borges é outra das minhas referências a nível de jornalismo radiofónico – e ele precisava de alguém para o ajudar no relato. Eu disse “oh pá nunca fiz, mas faço” e foi aí que começou, acho que correu bem porque o David Borges logo a seguir convidou-me para fazer o jogo do dia seguinte, também da selecção nacional no estádio das Antas. Passadas duas ou três semanas o David Borges ligou-me e perguntou se eu queria continuar e chegámos a um acordo. Foi aí o meu começo na rádio onde estive 14 anos. A partir daí abriram-se as portas para as televisões, passei por quase todas elas, passei pela RTP, onde me iniciei, depois passei pela SportTV e pela SIC.


MP: Qual é que lhe agradou mais fazer?

BB: Rádio, rádio, rádio... Rádio é diferente, eu gosto das três, mas a rádio dá-te uma outra liberdade, é por isso que eu digo que podes estar nu a fazer rádio, não tem qualquer problema. Estás na rádio, estás a falar e estás no improviso, e eu gosto disso. Gosto do improviso, gosto do risco, gosto de coisas que falham à ultima da hora e que depois temos que meter ali as nossas bruxas, como nós dizemos na gíria, encher os nossos chouriços. Rádio é o momento, rádio ouves, falasse, passou. Eu gosto disso, gosto do risco, gosto da adrenalina e a rádio para mim é sem dúvida nenhuma a minha grande paixão.

MP: Qual foi para si o maior momento da sua carreira?
BB: Ui... Sei lá, tive tantos! O FC Porto campeão europeu em 87, estes últimos jogos também do FC Porto campeão europeu e vencedor da Taça UEFA. Jogos da selecção nacional, principalmente aqueles que tenho mais memória que foram os do Euro 2004. Também tenho recordação do jogo com a Holanda em que Portugal empatou 2-2 com um golo marcado por Figo a fazer o 2-2, não pelo próprio jogo em si, embora tivesse sido espectacular, mas pelo meu amigo e saudoso companheiro Jorge Perestrelo, que estava também a fazer o relato nas Antas e esse jogo empolgou-me pela maneira como ele fez o relato desse lance. São tantas recordações, muitas boas memórias, não tenho assim uma que se possa dizer “a mais marcante é essa.”
“Muitas das pessoas que não gostavam dele (Jorge Perestrelo) e que o criticavam na altura, depois de morto - e é isso que me vai acontecer com toda a certeza – acabaram por dizer que era um bom rapaz.”
MP: Como viveu o desaparecimento de Jorge Perestrelo?
BB: Com muita mágoa, com muita pena, como é evidente... O Jorge Perestrelo é uma pessoa sui generis, o mundo girava à volta do umbigo dele, mas era um companheiro. Todos nós sabíamos aquilo que ele era, o culto dele era o eu, o eu e o eu e em caso de dúvida, eu, eu e eu, mas era assim, o Jorge era assim. Era frontal, era correcto, aquilo que pensava dizia nos olhos às pessoas. O Jorge era incapaz de ter um problema contigo e não o dizer. Convivi com ele 14 anos na TSF. Em duas ou três ocasiões ele pegava no telefone e ligava-me a dizer: “oh meu ouvi dizer que tu disseste isto assim e assim” e eu dizia que sim ou que não, e ele “ok, era só para saber”, como ele dizia, havia “gatos enfuscados” entre nós. O Jorge não era um “relatador” de futebol, era um artista, os jogos para ele eram um espectáculo e não apenas uma simples narração. Por isso é que tenho essa imagem do jogo com a Holanda, precisamente da grande penalidade, em que certa altura estamos na cabine das Antas a fazer o jogo e quando é a grande penalidade ele começa a dizer “eu não quero ver, eu não vou ver.” Eu de repente olho assim pró lado e digo “mas então este gajo não vai ver e vai relatar isto como é que é?” e ele estava perfeitamente a olhar pró jogo. Ele não estava a transmitir apenas um jogo de futebol, estava a transmitir toda a carga emotiva que iria aparecer na transformação ou não de uma grande penalidade que podia dar ou não o empate a Portugal. O Jorge era um amigo e acima de tudo foi isso que se perdeu. Muitas das pessoas que não gostavam dele e que o criticavam na altura, depois de morto - e é isso que me vai acontecer com toda a certeza – acabaram por dizer que era um bom rapaz.


MP: Considera esse um dos piores momentos da sua vida?
BB: Sim, sem dúvida. Não tenho dúvida absolutamente nenhuma que foi, até porque não perdi mais nenhum companheiro meu. Ele sabia receber como nós recebemos no Porto, quando eles aqui vinham eu ia buscá-los, jantávamos juntos, almoçávamos juntos, muitos poucos fizeram aquilo que o Jorge me fez quando ia a Lisboa. Quantas e quantas vezes fui fazer jogos a Lisboa e a única pessoa que se preocupava e que dizia “onde é que andas”, “oh meu anda cá ter comigo”, “vamos almoçar”, “vamos jantar”, era ele, era o único. Por isso lhe devo muito, porque retribuiu aquilo que eu também lhe dei aqui. Foi o único que desapareceu enquanto eu trabalhava, é por isso que me lembro e que fica uma mágoa muito grande de ver desaparecer um amigo e um talento do relato.

MP: Estava no Comércio do Porto quando o jornal encerrou. Como viveu esse momento?

BB: Foi um momento triste, é sempre um momento triste quando acaba uma coisa da qual nós fazemos parte. Foi um momento conturbado, não tanto para mim, mas para muita gente que ali trabalhava foi um drama, porque não tinham horizontes de saída e esse é o grande trauma da profissão hoje em dia. Se antigamente ainda se podia saltitar de um jornal para outro, hoje estamos completamente engaiolados, porque temos três grandes grupos, e hoje em dia trabalhamos para todos. O jornalismo é assim, não há muito a fazer, não há muito por onde batalhar, mas na altura foi mau precisamente por causa disso. O próprio dia foi um dia muito triste, foi um dia muito sentimental porque havia gente que estava há muitos e muitos anos naquele jornal e a que lhe dedicaram uma vida.

MP: Quais foram os melhores e os piores momentos da sua vida?

BB: Costuma-se dizer que a vida de um homem é escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. A morte do meu pai foi o momento que mais me marcou, foi com ele que aprendi a ir ao futebol, que aprendi a ver o futebol e foi ele que me levou ao primeiro jogo de futebol e a morte do meu pai [pausa] marcou-me, obviamente. Já momentos alegres, há tantos, mas creio que o mais marcante foi o nascimento do meu filho e o poder acompanhá-lo durante este tempo todo conforme o tenho feito, apesar de todas as vicissitudes e de às vezes sermos obrigados a não estar presentes em algumas situações. Procuro estar presente, até pelo próprio percurso que ele tem, que é um percurso fantástico. Tem 16 anos, é um excelente aluno e é para isso que eu trabalho, para que ele tenha o seu sucesso. É ele o meu momento mais feliz.


MP: Sente que o seu pai foi o modelo no qual baseou a sua vida?

BB: Pelas coisas boas e pelas coisas más... sim. O meu pai teve uma vida bastante atribulada, mas muito daquilo que não se deve fazer, aprendi com ele, e muito daquilo que se deve fazer, também aprendi com ele. O meu pai era caixeiro viajante, que é um homem que anda com as malas dentro do carro na área dos têxteis a visitar vários sítios e a vender. Essa foi a vida do meu pai durante muitos anos, saía à segunda-feira e vinha à sexta-feira e por isso era um pai um pouco ausente. Quando estava connosco era um pai marcante porque deixava sempre todas as posições normais do dia-a-dia para a mãe, porque era ela que nos acompanhava quer a nível de estudos, quer a nível do resto, e ele tinha uma certa relutância em chegar a casa e ser o “castigador”. Por muito que a nossa vida profissional nos obrigue a estar ausentes, temos que estar sempre por perto. Na fase do Comércio do Porto, tinha que fechar o jornal e estava lá até à meia-noite, depois ia jantar e chegava a casa às duas da manhã, quando o meu filho já estava a dormir. Se eu fizesse a minha vida de jornalista normal não o via, de maneira que durante esses três anos levantei-me sempre às sete e meia da manhã, para o deixar no colégio às oito e meia e depois ir à minha vida, fosse ela qual fosse. Foram esses os ensinamentos, da ausência do pai durante a semana, não digo maus, mas menos bons. Mas também houve ensinamentos bons que o meu pai procurou dar ao longa da sua vida, principalmente a honestidade, a credibilidade, o sermos nós próprios, não tentarmos imitar ninguém, é isso que eu quero fazer e é isso que tenho feito.

MP: Nasceu em Vila Real, mas veio aos 3 anos para o Porto. Sente-se mais tripeiro do que transmontano?
BB: Não, não, não. Gosto muito do Porto, foi a cidade que me acolheu, é a cidade onde eu trabalhei, onde eu estudei e é a minha cidade também, mas sou muito transmontano. As minhas raízes sempre foram essas, gosto daquela gente, gosto muito da maneira que ela pensa, da maneira que ela sente. Neste momento trabalho em Vila Real, numa empresa de organização de eventos, mas vou e venho quase todos os dias. Gosto de voltar às raízes e gosto de sentir aquele cheiro da montanha, o cheiro da lareira, o cheiro daquele fumo... É muito peculiar e muito tranquilo, não há tanta correria, nem tanto stress, como há aqui no Porto.

MP: O que faz para descontrair?

BB: Vejo muito cinema. Muito daquilo que eu aprendi a nível de línguas foi precisamente por ouvir os filmes e tentar tirar o sentido daquilo que eles diziam. Gosto muito de estar a ver o filme e a ouvir o diálogo comparando-o com aquilo que está a ser traduzido. Também gosto de ouvir música e de ler. Já tive mais apetência para ler, desde há uns anos a esta parte quase que só leio aquilo que é obrigatório. Antigamente lia um livro numa noite, se ele me interessava. Nunca me hei-de esquecer que com 20 e poucos anos, em duas noites consegui ler A Viagem ao Mundo da Droga de Charles Duchaussois, um livro que me marcou na altura, estamos a falar há 30 anos atrás. É um livro que aconselho e que mesmo hoje é útil. Fala sobre a vivência de uma comunidade, mas principalmente de uma miúda que andou metida no mundo da droga – isto há 30 anos onde não se sabia o que era isso e onde não se falava disso. Hoje tenho vários livros em cima da mesinha de cabeceira, leio umas páginas de um e umas páginas doutro. Neste momento estou a ler uma colectânea de textos de um colega meu que trabalhou no Comércio do Porto comigo, Braga do Amaral que está na Régua, de onde é, à frente da revista Tribuna de Ouro e que fez uma compilação dos seus textos chamada Somos Nós. Também gosto de andar na net, é um vício hoje em dia, quem não anda lá?
“Se não procurasse dar saltos, se não procurasse o risco, o fim poderia não ser o mesmo, portanto não estou nada arrependido daquilo que fiz.”
MP: É um portista confesso. É difícil manter a imparcialidade quando está a relatar um jogo do seu clube?
BB: É difícil, é, mas procuro fazê-lo. Nunca me preocupei com isso, nós somos aquilo que somos, podia ser da Académica, podia ser do Vila Real que é a cidade onde eu nasci, podia ser de muitos clubes, sou do clube que sou. Quem gosta de futebol, quem gosta de desporto, escolhe um clube e gosta dele. A partir daí aconteça o que acontecer é o nosso clube, é o clube que nós gostamos, é o clube que nós amamos. Infelizmente neste país não é possível para quem esteja a trabalhar no meio assumir-se e dizer qual é o seu clube. Normalmente quem assume que tem um clube deixa de ser ouvido da mesma maneira que o era antes. O meu registo ao longo dos anos é este, há quem diga que goste e quem não goste, mas eu também partilho a máxima de José Maria Pedroto que dizia: “não importa que falem mal ou bem de mim o importante é que falem.” Mas creio que nós devemos procurar ser isentos e transmitir a realidade.

MP: É co-autor do livro Mui Nobre e Sempre Invicto Clube do Porto, juntamente com Rémulo Jónatas. O que o levou a escrever esse livro?

BB: Escrevi o livro porque quis fazê-lo e porque tinha que o fazer, foi uma aposta que fiz. Mas muito sinceramente não é o livro que eu queria escrever. Já tive um desafio por parte do meu amigo Francisco José Viegas. Nas nossas tertúlias depois do programa da NTV, comendo o nosso preguinho do Bonaparte na Foz, falávamos sobre tudo o que eu vivia à custa dos jogos, as peripécias, a ida prós jogos, as viagens, tudo isso. Numa ocasião ele disse: “isso é giro, escreve um livro sobre isso, sobre as tuas vivências, os teus 20 melhores jogos.” Um dia lá mais para diante quando já estiver de chinelinhos e roupão, sentado no sofá em frente à lareira sou capaz de me debruçar sobre isso e escrevê-lo.


MP: Acha que conseguiu concretizar os seus sonhos de infância?
BB: Algumas coisas sim. Quando chegamos a esta idade olhamos para trás e dizemos assim: “o que é que eu mudaria na minha vida?” Muito sinceramente, e apesar de ter feito algumas asneiras e de algumas atribulações que tive, não mudaria nada. Estou plenamente satisfeito com aquilo que fiz, com aquilo que alcancei, com aquilo que realizei e com aquilo que ainda quero fazer. Ainda tenho muita ambição, apesar da idade, ainda quero fazer muita coisa e quero ser aquilo que eu sempre fui, igual a mim próprio. Quando nós chegamos a esta altura, chegamos precisamente aqui porque tudo o que se passou foi vivido de um certo modo, se estivesse adormecido no marasmo que estava, se não procurasse dar saltos, se não procurasse o risco, o fim poderia não ser o mesmo, portanto não estou nada arrependido daquilo que fiz.

MP: Que objectivos ainda espera alcançar?
BB: Ainda quero viver muitos anos, tenho 53 mas quero viver muitos. Não quero ser pesado, não quero que as pessoas me chamem chato, mas ainda acho que tenho muito para fazer, muito para dar, muito para aprender e muito para viver. Sou um homem de paixões, a minha vida é uma paixão, eu gosto da paixão e só faço as coisas quando estou apaixonado. Está-me a dar um gozo bestial trabalhar lá em Vila Real na área de organização de eventos, dá-me muita paixão fazer isso. Se calhar só por paixão é que vou a Vila Real quatro ou cinco vezes por semana. Ainda me falta escrever o tal livro, aquele dos meus 20 melhores jogos, estou a começar a pensar nisso a sério, vamos ver.

Infografia: Processo de Anilhagem de Aves

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Publicado em 8 de Janeiro de 2011 no Jornal Online JornalismoPortoNet

Reportagem: Aves madrugadoras do Parque Biológico de Gaia


Há dois anos a funcionar no Parque Biológico de Gaia, a anilhagem de aves contribui para a preservação da ilha verde do Grande Porto.
Adriano Cerqueira

O projecto de anilhagem de aves no Parque Biológico de Gaia completou dois anos em Outubro. A prática de recolha para identificação e estudo de aves já decorre há vários anos no parque, mas apenas em 2006 é que Rui Brito e António Pereira, ornitólogos responsáveis pelo projecto, deram inicio a esta actividade de forma regular.


“Há 25 anos que se faz anilhagem no parque, mas de há dois anos para cá decidiu-se fazer com carácter regular, para melhor conhecer a avifauna (população de aves)”, esclarece Nuno Oliveira, Presidente do Conselho de Administração do Parque Biológico de Gaia.

Rui Brito explica que “qualquer projecto de anilhagem surge muito por parte dos anilhadores, propusemos ao parque começar a anilhar e o parque aceitou.” O biólogo de profissão salienta a importância da recém criada Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves (APAA) já que esta “centraliza em si esse tipo de actividades e projectos, a nível de todo o país, de modo a alargar ao máximo a actividade”. “Até aqui não havia nenhuma organização, há a Central Nacional de Anilhagem (CNA) que é um organismo que faz parte do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) que atribui as credenciais e gere as autorizações e as questões das anilhas, mas a nível da pró-actividade e da proposta de projectos não existia nenhuma entidade”, confessa.

Para o desenvolvimento e manutenção do projecto o Parque Biológico de Gaia disponibiliza as instalações da Quinta do Chasco e um orçamento anual de cerca de 10 mil euros, destinados ao investimento em material e divulgação da actividade. Esta iniciativa também aposta na formação de futuros anilhadores. Joana Nunes, mestre em Ecologia Ambiental, é um desses casos. Explica que “para se trabalhar a sério com pássaros precisas de uma licença, mas para isso é preciso anilhar mais de 100 espécies diferentes,” acrescenta ainda que “o título de anilhador é muito importante no currículo, já que é bastante difícil ser-se capaz de identificar pássaros rapidamente, e é claramente importante a ajuda de pessoas especializadas para o estudo de conservação”.
A actividade tem início uma hora antes do nascer do Sol

Entre os alunos a receber formação, um dos membros que mais cedo se iniciou no projecto é Pedro Andrade. O aluno, de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), conta que tomou conhecimento da anilhagem através de Jorge Gomes, responsável pela divulgação do parque junto dos visitantes. “Ele falou comigo e com o meu irmão, sobre a anilhagem e projectos da Estação de Esforço Constante. Nós começámos a vir ao início só para ver como é que era e então propuseram-nos a possibilidade de fazer voluntariado e de recebermos formação. Aceitámos e temos vindo todos os primeiros e terceiros sábados de cada mês para aprender mais e para receber alguma formação. Vamos também tentar receber uma credencial que no futuro nos permita ter a independência para sermos anilhadores”, refere.

Pedro Andrade também é responsável pelo blogue onde são colocadas todas as informações recolhidas após as sessões de anilhagem. “O projecto do blogue surgiu inicialmente para melhorar a divulgação da anilhagem. Normalmente esta também é feita pela revista oficial do parque que é a Revista Parques e Vida Selvagem. Todos os sábados, no fim de uma anilhagem, publicamos os resultados, e mais algumas notícias e fotos, para, desta forma, o público em geral saber o que é que nós estamos a fazer.”

Contudo, a recolha e identificação de aves é por vezes criticada pelo público não familiarizado com a actividade. O facto das aves sofrerem durante o processo é uma das acusações comuns. António Pereira assegura que as aves não sofrem qualquer tipo de dor enquanto são anilhadas. “As pessoas às vezes quando ouvem as aves a dar um grito de alarme pensam que é como os mamíferos que choram ou gritam, mas não, as aves não fazem isso, tentam é comunicar o que se está a passar. Os gritos de alarme servem para avisar as outras aves que existe algum perigo, mas ela própria não está em sofrimento”, explica.

Todos os primeiros e terceiros sábados de cada mês, Rui Brito e António Pereira acompanhados por um grupo de estudantes em formação e de interessados em anilhagem, deslocam-se ao Parque Biológico de Gaia para iniciar a actividade. O processo começa cedo, com a montagem das redes sempre uma hora antes do nascer do sol. No total são quatro as redes espalhadas pelo complexo, as redes Matos, Amieiras, Ponte de Madeira e Tabua, todas elas baptizadas de acordo com as características do local onde são colocadas. As redes referidas são sempre montadas nos mesmos locais e posicionadas em zonas estratégicos do parque, desta forma torna-se possível a recolha de dados com exactidão sobre as espécies que nidificam no parque. Os dados sobre as espécies capturadas são depois analisados pela Estação de Esforço Constante, projecto com o principal objectivo de obter informação que possa ajudar a entender e a explicar as alterações nas populações de aves, através de um programa de capturas regulares durante a época de reprodução, em locais e habitats específicos.

A recolha e análise de aves é relativamente simples, mas algo que exige o máximo cuidado. Entre intervalos de uma hora, o grupo desloca-se a cada uma das redes para verificar se alguma ave foi capturada. Se tal acontecer, os animais são retirados com cuidado das redes para evitar qualquer sofrimento. Segundo António Pereira as redes são “bastante seguras”, “por vezes as aves ficam com a língua presa e ao tentarem se libertar sofrem ligeiros ferimentos, mas fora isso raramente se magoam”. Após o pássaro ser retirado da rede é colocado num saco opaco. Rui Brito diz que “as aves são transportadas em sacos opacos, para elas virem mais calmas e o menos stressadas possíveis”.
Jorge Gomes:"O Parque é uma ilha verde, onde as aves, insectos migratórios e toda esta natureza aqui se vem encaixar"

O período de tempo entre verificações das redes é ocupado a processar os animais recolhidos. Primeiro procede-se à identificação da espécie e à colocação da anilha respectiva. As anilhas têm tamanhos específicos adaptados a cada espécie de ave. Há uma listagem de todas as espécies que podem ser capturadas, e a cada uma corresponde uma anilha específica. Cada anilha tem um código alfanumérico que serve como bilhete de identidade da ave que a recebe, o que permite a posterior identificação do animal no caso de ser recapturado ou encontrado morto. Quando a ave já se encontra anilhada é feita a recolha dos dados biométricos – peso, sexo, idade, envergadura da asa, comprimento do bico, nível de gordura e tipo de pelagem – e, finalmente, é libertada para o exterior.

Questionado sobre a frequência de recaptura de pássaros já anilhados, Rui Brito responde que “é comum acontecer” e salienta que “o objectivo da anilhagem é exactamente recapturar aves, quer de cá (do Parque Biológico) – o que nos permite conhecer a história da ave e ir acompanhando-a – quer aquelas que vêm a migrar e que passam por cá”.

Quanto ao sucesso dos controlos, Rui Brito afirma que “temos essencialmente aumentado o conhecimento sobre a avifauna do parque e descoberto algumas histórias engraçadas de aves que, nomeadamente, caiem sempre na mesma rede, à mesma hora, isto ao longo de dois anos”. O ornitólogo salienta que nos dois anos de existência da actividade já surgiram resultados “muito interessantes”, como a descoberta de espécies que não se sabia que nidificavam no parque e a recolha de dados mais pormenorizados sobre a vida das espécies que habitam no Parque Biológico.
António Pereira: “É sempre bom ver que um dos objectivos a que nos propusemos, que foi conseguir divulgar a actividade e trazer mais pessoas, começa a ter os seus frutos”

Em paralelo com a iniciativa, Rui Brito e António Pereira colaboram com outros projectos associados à área. A recolha de carraças das aves que são enviadas para o Instituto Ricardo Jorge, encarregue de estudar as doenças trazidas pelas espécies migratórias e o estudo da história genética do Pisco de Peito Ruivo, que se insere numa colaboração entre vários países europeus, são as principais actividades associadas à anilhagem. A educação ambiental e sensibilização do público para a causa de preservação e estudo das espécies de aves é também um dos principais objectivos desta actividade.

O próximo passo do projecto passa pela elaboração de um relatório com o balanço dos primeiros dois anos. “Vai ser feito um relatório e entregue aqui no parque, depois à partida seguir-se-á uma publicação referente a isso. A partir daí o parque fará a divulgação e a ideia será publicar em algum jornal científico”, revela Rui Brito. No relatório vão constar todas as espécies capturadas desde Outubro de 2006 e dados relativos ao número de pessoas que participaram na formação de anilhadores.

Jorge Gomes salienta a importância da iniciativa já que permite conhecer a população de aves e conservá-las numa área rodeada de prédios. O responsável pela revista do Parque Biológico afirma que a reserva natural “é uma ilha verde, onde as aves, insectos migratórios e toda esta natureza aqui se vem encaixar,” salientando ainda a importância de se ter “noção do nosso património natural e da conservação destes espaços com os seus habitats naturais”.

O Parque Biológico de Gaia promove projectos como a monitorização sistemática de invertebrados, peixes, vertebrados terrestres e plantas, nos quais a anilhagem de aves se insere, em simultâneo, como actividade científica de monitorização da avifauna e como actividade educativa. Nuno Oliveira acrescenta que “todo esse trabalho vai ser alargado a outros locais de Gaia”.

Quanto ao futuro da anilhagem de aves, o Presidente do Conselho de Administração do Parque Biológico diz que passa por “continuar e alargar-se, quer em locais, quer em regularidade”. Já Rui Brito traça como meta o “objectivo máximo” da Estação de Esforço Constante, que passa por ter o maior número de anos possível de anilhagem de forma a perceber as tendências populacionais. “A ideia é pelo menos 10 anos contínuos, para conseguirmos ter mais dados e mais pessoas de forma a criar mais grupos de anilhagem”, afirma.

A anilhagem de aves é uma actividade de várias décadas que se destaca pela ajuda no estudo das populações de aves num dado local. Acerca da sessão de 18 de Outubro, António Pereira refere que “tivemos muitos participantes e é sempre bom ver que um dos objectivos a que nós nos propusemos, que foi conseguir divulgar a actividade e trazer mais pessoas para uma actividade que era algo restrita, começa a ter os seus frutos”.

Editorial: Imprensa, que futuro?

A morte da imprensa escrita pelas mãos da Internet há muito que é anunciada. O público perdeu a “paciência” para esperar pelo dia seguinte para ler em detalhe todas as incidências das notícias que marcam a actualidade. Há um crescimento da necessidade de informação no imediato, não apenas aquela correspondente à notícia em si, mas todos os elementos contextuais que a envolvem. Algo, que em toda a justiça, apenas a Internet pode fornecer, mas algo que também se pode revelar muito perigoso na ausência de um mecanismo que ordene e oriente a informação ao dispor do leitor/utilizador.

O órgãos de comunicação social impressos tardaram a acordar para esta nova realidade – facto algo discutível visto ter sido rápida a sua adaptação aos novos media –, contudo, e tendo em conta apenas a realidade portuguesa, hoje em dia há quase que uma interdependência entre as versões online e offline dos principais órgãos impressos. Tal é visível mesmo nesta edição que marca o nascimento do Mercúrio do Porto, que surge já com o anúncio e publicitação do respectivo blogue, revelando ao longo das próprias notícias referências a outros sítios web passíveis de interesse para o leitor. A verdade é que as versões online dos jornais já não são mais meros espaços para colocar cópias ou resumos das versões impressas, mas sim plataformas noticiosas que não se limitam a dar a informação na hora, mas que produzem os seus próprios conteúdos e que publicam infografias e reportagens multimédia usando técnicas e meios que a mera versão em papel não pode oferecer.

Estaremos então a presenciar a inevitável transição do papel para o ecrã de computador? Rámon Salaverría afirma que não. Presente no I Congresso Internacional de Ciberjornalismo, o professor da Universidade de Navarra disse que a Internet surge como um meio capaz de integrar a imprensa, a rádio e a televisão, o que necessariamente não significa a "morte do papel". Salaverría acrescentou ainda que "a imprensa, como media, não vai desaparecer, mas vai perder a sua hegemonia”.

Entre os temas discutidas no congresso, prevaleceu a ideia da necessidade da imprensa se reinventar e procurar um novo rumo para atrair novos leitores e para os fidelizar ao meio. É de sublinhar a palavra “novos”, já que são os jovens os primeiros a afastar-se dos jornais. Hoje cresce-se à volta de tecnologia, aprende-se em frente a ecrãs e quadros multimédia, os tempos do giz e da ardósia há muito que já passaram e agora coloca-se a questão de que destino dar aos manuais em papel. A desabituação do papel no acto de ensino leva um a pensar numa justificação plausível para convencer os jovens a consumir notícias em papel quando a sociedade quase que os força a abandonar esse meio. Contudo, é essa a tarefa da imprensa escrita. Tal não passa pela adopção de um design similar a uma página web, ou pela esperança do surgimento de um novo tipo de papel multimédia com acesso à Internet e capaz de exibir conteúdos de som e vídeo, mas sim pelo reaproveitamento das qualidades que os jornais já possuem.

Dar ênfase à exploração minuciosa e aos valores-notícia das temáticas abordadas no periódico, apostar no jornalismo de investigação, assegurar bons comentadores e analistas, nivelar pela qualidade e não cair na tentação do sensacionalismo, são estas as tarefas necessárias para salvar a imprensa escrita do pressagiado fim. Como novo projecto, o Mercúrio do Porto direcciona os seus objectivos nesse sentido, procurando ganhar o seu lugar no mercado através da qualidade do seu jornalismo, sem recorrer ao sensacionalismo e a tácticas de competição desleal. Contudo, para que esta visão se concretize é necessário que se criem as condições necessárias através de uma forte aposta na educação para os media e através da adequação do mercado às necessidades de um público que exija qualidade.

A história da imprensa viu muitos media a cair e outros a surgir para ocupar o seu lugar, viu a evolução dos novos media e a sobrevivência dos velhos. O mundo continuará a precisar de notícias e de alguém para descobrir, elaborar, estudar, trabalhar e fornecer os conteúdos, seja ao serviço do Mercúrio do Porto ou do Google News, resta apenas aos velhos media não perderem este próximo comboio pois pode não haver outro. Até que esse dia chegue a Internet continua a ter muito para aprender com a imprensa, mas chegou a hora da própria imprensa aprender alguma coisa com a Internet. Apostar na interactividade com os leitores, num design criativo e nas infografias são algumas das lições a retirar, e é em conta deste prisma que a redacção do Mercúrio do Porto se posiciona.